Super Drags e a representatividade em um país homofóbico
- UFUPIC
- 21 de nov. de 2018
- 4 min de leitura
21/11/2018
Por - Anna Júlia Lopes

A homofobia e a transfobia estão enraizadas na nossa sociedade há séculos. Mas enquanto alguns países dão passos a frente na luta contra o preconceito, as escolhas e opiniões dos brasileiros parecem cada vez mais retrógradas. Entretanto, ainda há esperança, e como uma luz no fim de um túnel cheio de ódio e conservadorismo surgem as Super Drags.
Dia 9 de 2018 foi lançada na plataforma streaming mundialmente conhecida, Netflix, a mais nova série animada brasileira: Super Drags. A animação adulta apresenta três colegas de trabalho que secretamente são drag queens super-heroínas, enfrentando o crime e homofobia, com um estilo “Sailor Moon” e “As Panteras” versão LGBT.

A série hilária, apesar de ter cenas negativas como no primeiro episódio em que uma das drags se aproveita sexualmente de um dos criminosos que ameaçava a vida de alguns membros da comunidade gay, é extremamente crítica e pautada na representatividade. Os criadores foram Anderson Mahanski, Fernando Mendonça e Paulo Lescaut, e só o ato de inventar super heróis gays já é extremamente inovador. É fato que programas e artistas que envolvem transsexuais e drag queens estão em alta ultimamente, como “Rupaul’s Drag Race”, um concurso para ganhar o título de Drag Queen Superstar, e Pabllo Vittar, cantora pop brasileira. Entretanto, a comunidade LGBT ainda é vista com muito preconceito no país, e quando tentam representá-los no cinema ou na televisão é sempre algo extremamente caricato e, muitas vezes, ofensivo, sem mencionar, as terríveis tragédias e filmes tristes sobre o assunto, como o “O Segredo de Brokeback Mountain”.

A escassez de conteúdo que represente esse público também reflete na mentalidade da sociedade brasileira. Pois a presença respeitosa de gays, lésbicas e trans nos programas televisivos e metragens seria algo crucial e de extrema ajuda no combate à homofobia e à transfobia, porque assim os olhos mais conservadores iriam se acostumando, aos poucos, com a diferença. Em entrevista, a atriz trans Natasha Wonderfull, que inspirou e fez a personagem principal do curta alagoano “Wonderfull - meu eu em mim” de Dário Jr., comenta “O Wonderfull foi gravado já com esta expectativa, de mostrar o lado positivo de uma trans negra no mercado de trabalho, quebrando essa visão de trans na rua que não pode fazer outras coisas, mostrar o respeito que as pessoas tem comigo na comunidade. O filme mostra eu trabalhando no consultório, como técnica de enfermagem e redutora de danos.”. E além da conscientização social, referências cinematográficas podem também a ajudar jovens no seu processo de descobrimento e auto-aceitação, sendo uma forma de lidar melhor com a sua sexualidade e de se informar sobre, pois como Natasha ressalta “Infelizmente, a sociedade não entende o significado de cada cultura, como ser travesti transsexual, homem trans, trans não binário, gay, drag ou transfomista.” Wonderfull também criou um projeto de cultura em Maceió chamado Transhow, que apresenta shows de humor clássico no teatro, para todas as idades o grupo quebra a visão objetificada das trans, e é disso que o cinema brasileiro e mundial precisa. A drag queen tocantinense Ravena Kori também fala sobre a importância de representações LBGT para a própria comunidade e como isso ajuda a lidar melhor consigo mesmo: "por ter chances de se ver um pouco menos 'diferente' ou até 'errado'."

É necessária que haja uma normalidade e uma pluralidade por parte do cinema que aborda esse tema, como fazer romances que seriam estrelados por casais heterossexuais para a comunidade LGBT: romances, filmes de ação, mistérios, super-heróis e animações, e isso Super Drags realizou com maestria. O ilustrador, diretor e animador Alexandre Dubiela vê as animações como um meio de crítica e denúncia social: “A animação tem um enorme potencial de apelo ao público e é uma opção valiosa de comunicação para as massas. Existem muitas produções, de criação autoral que conseguem, com sucesso, atingir e conscientizar a sociedade. No entanto, o grande trabalho envolvido para se produzir uma obra animada, por mais simples que seja, é limitador em agilidade, impedindo que ela seja feita de forma espontânea. Um estúdio operante tem mais chances de conseguir criar um programa de produção interna para a elaboração de uma produção crítica nesse sentido, se esforçando para alocar os escassos recursos necessários – financeiros e de equipe. Já o produtor autoral independente tem mais dificuldade de se comprometer em desenvolver suas obras sem garantia de retorno. Tem que ter muito jogo de cintura, capacidade estratégica, inteligência sociocultural e engajamento para desenvolver produções com esse viés. Mas acredito que quem consiga explorar a animação como forma de conscientização social tem grandes chances de sucesso, e contribuirá bastante para a sociedade.”. Apesar da luta da Netflix e de muitas outras grandes corporações pelos direitos LBGT ser motivada pelo marketing e pelo capitalismo, ainda é um auxílio desejado, pois como Dubiela afirma, uma produção promovida por um estúdio ou empresa grande tem mais chances de alcançar um público maior, e assim, sua conscientização.

Super drags também inova por apresentar protagonistas negros, algo que até em produções “heterossexuais” é raro. Apesar de ser uma luta conjunta, ainda há muito elitismo e racismo na sociedade, que acaba visando apenas os gays, lésbicas e transsexuais brancos. Somado a isso, a série também conseguiu focar em diferentes tipos de membros da comunidade LGBT e não apenas o gay estereotipado e caricato. E como se já não fosse o bastante, também tocou em assuntos como a gordofobia e no sofrimento dos indivíduos devido à ditadura do corpo perfeito. E na opinião de Ravena, a animação impactará a sociedade, porém é um impacto necessário: "Esse choque vai servir para mostrar que o mundo muda, as pessoas conseguem sua voz e conseguem ser representadas na TV e no mundo. Apesar da série pecar em vários aspectos, como reforçar estereótipos sexuais e raciais, uma série onde tem como protagonistas, drag queens, é muito importante para a luta constante do movimento LGBT. É mais uma representação de grande magnitude no meio do entretenimento e na mídia brasileira – ou até mundial, mostrando um pouco mais de representatividade em uma época tão caótica e com tanto preconceito, ódio e violência contra quem vive de forma diferente da maioria religiosa brasileira. Infelizmente a série tem certos conteúdos completamente desnecessários e acaba sendo fraca em certos aspectos, mas já é uma grande iniciativa e avanço se formos pensar que essa série foi feita pela Netflix, atualmente uma das maiores empresas do mundo."
Animações como Super Drags são mais do que necessárias.
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