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O Doutrinador: O filme lançado no momento mais oportuno.

  • Foto do escritor: UFUPIC
    UFUPIC
  • 30 de nov. de 2018
  • 7 min de leitura

Por: Felipe Melo

30/11/2018 | 14:15


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O Doutrinador, personagem de Kiko Pissolato

“A corrupção criou seu maior inimigo” é o slogan principal do filme O Doutrinador, que chegou aos cinemas dia 1º de Novembro no Brasil e colecionou críticas positivas tanto por parte da audiência quanto da imprensa especializada. O filme abriu em 434 salas, obtendo relativo sucesso de bilheteria e abrindo as portas para os filmes de “herói” no cenário nacional.


Baseado em uma HQ homônima, o longa conta a história de um vigilante mascarado, nos moldes dos anti-heróis americanos como “O Justiceiro”, que tenta acabar com os símbolos da corrupção brasileira, eliminando políticos e grandes empreiteiros em uma furiosa saga de vingança pessoal, com direito a arsenais enormes e muita violência. O Doutrinador (Kiko Pissolato) não poupa esforços para conseguir seu objetivo de vingar a morte da filha e livrar o Brasil das grandes quadrilhas que parasitam em seu meio político.


A primeira publicação da HQ data de 2008, onde o personagem escrito por Luciano Cunha, ainda sob o nome de “O Vigilante”, não conseguiu emplacar sucesso e teve algumas tentativas de publicação fracassadas. A glória não viria até 2013, ano das manifestações populares que tomaram conta das ruas de nosso país, em que o personagem foi adotado como um símbolo de “patriotismo, resistência e combate à corrupção” por muitos manifestantes. A HQ passou a ser publicada na internet, onde atraiu muitos leitores, principalmente devido ao contexto social da época.


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O patriotismo representado na HQ

O filme parece utilizar da mesma tática comercial que se mostrou muito bem sucedida para os quadrinhos, se aproveitando de toda a sua simbologia e revolta para dialogar com as classes populares, e para instigar o sentimento anticorrupção que tem se mostrado muito forte entre o povo brasileiro. Tendo estreado apenas 4 dias após o fim da eleição mais comentada nas redes sociais, “O Doutrinador” obteve sucesso ao ser porta-voz de uma população que clama pelo fim da corrupção.

Mas não apenas em seus objetivos o anti-herói parece dialogar com o pensamento popular, como também em seus métodos. A Socióloga Ariadne Natal, doutoranda pela USP, realizou em 2017 uma pesquisa que analisava casos de linchamentos populares ocorridos entre 1980 a 2009 na periferia de São Paulo, e buscava expor o respaldo popular, policial, e midiático para com tais crimes. Dos 589 casos analisados num período de 30 anos, apenas 1 foi a julgamento. Já outro levantamento do Núcleo de Estudos da Violência (NEV), também da USP, identificou 1.179 linchamentos entre 1980 e 2006 em todo o Brasil.


Como conta Luciano Cunha em uma entrevista ao site Adoro Cinema, “Não é um personagem em equilíbrio, tanto que a escolha dele pela violência já traz esse desequilíbrio, por isso sempre nos referimos a ele como um anti-herói. Quando a gente estava na sala de roteiro, sempre tivemos muito cuidado e muito carinho para não mexer em certas relações. Lá atrás, já tem quase 2 anos, a gente não imaginava essa polarização extrema que estamos vivendo hoje. A gente tem uma realidade comentada.


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Representação da revolta do povo contra o governo presente na HQ

Então a gente conseguiu sair um pouquinho do que estamos vivendo hoje nas ruas e trazer uma ficção que tem essa coisa do entretenimento escapista, sabe? Mas nós sabemos que a realidade é outra coisa.”.


Para o historiador Heleno Barros, mestre em história pela UFU, “É bem comum em épocas como a que vivemos no Brasil as produções midiáticas refletirem o que se passa na cabeça da população, ou o que o país vive em seu momento político. Foi assim na Alemanha nazista, Itália, Portugal, Espanha, em um fenômeno que ficou conhecido como fascismo social. No Brasil não é muito diferente, como mostra o resultado das últimas eleições. O candidato eleito construiu todo seu discurso com base na revogação do estatuto do desarmamento, no combate ao crime a qualquer custo, e na erradicação da corrupção, e isso lhe garantiu a vitória. Por isso não é surpresa que um personagem assim consiga dialogar com o público brasileiro.”.


De acordo com uma pesquisa divulgada pelo Datafolha em janeiro de 2018, 55% da população brasileira se mostra favorável à pena de morte para crimes hediondos, maior percentual registrado na última década. De acordo com a mesma pesquisa, uma quantidade menor, porém expressiva da população, chegando aos 40%, também apoia a revogação do estatuto do desarmamento.


A estratégia de lançamento utilizada pelo filme é comum no ramo do marketing, como explica a publicitária Nívea Peres, “É usual alinhar o lançamento de um produto à determinado momento em que ele tem mais chances de fazer sucesso, na verdade é uma das estratégias mais básicas da publicidade. Se você pretende lançar um filme natalino é melhor esperar a época do natal, em que o clima é favorável àquela mídia. O mesmo acontece com O Doutrinador, que se utilizou do período das eleições e dos grandes escândalos de corrupção recentes para atrair um público maior. É o chamado ‘Boom Publicitário’, aproveitar os assuntos mais discutidos pelo público e montar seu produto em cima dos mesmos, fazer a audiência te mostrar o que ela quer consumir.”.


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Miguel, à esquerda, alter-ego do Doutrinador

Outras produções que utilizaram da mesma estratégia são facilmente observadas no catálogo da Netflix, o maior serviço de streaming da atualidade. A série “Super Drags”, que estreou dia 9 de Novembro, busca seu público em meio à comunidade LGBT, usando de temas e gírias recorrentes no universo gay para dialogar melhor com seu alvo. A série obteve sucesso principalmente por ter sido lançada em um momento em que a pauta LGBT tem sido amplamente discutida tanto a âmbito político quanto social. Grupos conservadores se juntaram em uma campanha contra o lançamento da animação em várias redes sociais, contando com o apoio de políticos da chamada “bancada evangélica”, e toda essa mobilização proporcionou uma propaganda ainda maior para o desenho.


Ao pegar emprestado alguns elementos consagrados não apenas dos quadrinhos, mas também dos filmes de herói americanos, gênero que tem se tornado um dos mais lucrativos nas telonas, O Doutrinador tenta traduzir as clássicas histórias estadunidenses para uma realidade nacional, mas sem abrir mão de alguns pontos vitais que fazem parte do status quo das mesmas.


Desde a produção do primeiro filme dos “X-men”, em 2000, os filmes de heróis sofreram uma drástica mudança em tom e enredo, mostrando que os longas baseados em quadrinhos podiam ter certa seriedade e tratar de temas mais complexos sem perder o tom brincalhão. Esse aprendizado veio do fiasco que foi “Batman e Robin”, de 1997, que utilizava de um humor “pastelão”, atuações caricatas, e elementos que buscavam replicar o tom da série clássica do Batman de 64. O diretor Joel Schumacher ainda disse em uma entrevista que o tom do filme era proposital, afinal ele era baseado em uma “Comic Book”, portanto deveria ser cômico. Tal afirmação, assim como o filme, não foi bem recebida pelo público.


A fórmula foi aperfeiçoada pela Marvel ao lançar o primeiro “Homem de Ferro” em 2008, que misturava um enredo bem construído e sério, com um Tony Stark playboy e boa pinta, vivido por Robert Downey Jr., além de um humor bem construído que complementa de maneira magistral o tom sério do filme. Tal fórmula é utilizada até hoje em todos os filmes da Marvel, e parece ter se tornado o novo estandarte para qualquer produção do gênero.


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Nina, a hacker ajudante do protagonista

O Doutrinador usa e abusa dessa fórmula hollywoodiana, trazendo um personagem esférico, um “arco do herói”, cenas humorísticas, e as provações enfrentadas pelo protagonista, todas adaptadas para um clima bem brasileiro. Assim, o filme tenta ser aquele que abrirá as portas para outros filmes de heróis brasileiros.


Juntando todos esses pontos, O Doutrinador obtém sucesso não apenas por se encaixar no momento histórico vivido no Brasil, mas por seguir com maestria todas as técnicas que já se mostram consagradas no cinema internacional.


Entretanto, como toda adaptação midiática, o filme enfrentou alguns problemas na hora de traduzir a linguagem das HQs para a do audiovisual. Como conta a YouTuber especialista em cultura pop Fernanda Pineda, “Pra levar o Doutrinador para o cinema, eles tiveram que ter todo um cuidado especial, nos quadrinhos o autor sempre tem mais liberdade, coisa que não acontece no cinema. Ainda mais porque os vilões desse filme não são alienígenas, nem psicopatas sem nada a perder, são políticos, pessoas corruptas, porém ainda assim seres humanos. Por isso a intenção era realmente tirar a gente desse patamar da realidade e nos levar pra um plano mais lúdico. Apesar de ser difícil, devido à própria origem desse personagem. O filme têm certo êxito por ser muito interessante e bem executado, mas falha em se distanciar da realidade em certos pontos exatamente por quão delicado é o momento que estamos vivendo na política nacional.”


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Nas HQs O Doutrinador atua em Brasília

Enquanto nas HQs O Doutrinador buscava vingança contra personalidades bem específicas da política nacional, como Dilma Rousseff e Renan Calheiros, no cinema a situação foi amenizada e não encontramos nomes conhecidos, apenas representações caricatas de políticos, como o Governador Sandro Correa, e a ministra Marta Regina, na cidade fictícia de Santa Cruz. O protagonista também conta com uma ajudante, nos moldes de todo bom filme de herói, a hacker Nina (Tainá Medina), que age pelos bastidores, conseguindo informações, e bolando planos que o ajudam a alcançar seus objetivos.


Apesar das personalidades reais presentes na HQ, o diretor Gustavo Bonafé afirma que O Doutrinador não é um filme político, mas sim uma fantasia que pega emprestado elementos da realidade para compor sua narrativa. O filme foi rodado em vários locais da Grande São Paulo, como um galpão abandonado no bairro da Mooca, para se assemelhar ao clima metropolitano presente a todo o momento nos quadrinhos.


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Os galpões abandonados estão entre os elementos urbanos do filme

Outro live-action baseado em quadrinhos que já tem data de estreia marcada para 2019 é o longa “Turma da Mônica – Laços”, baseado nas histórias de Maurício de Sousa, e que não se assemelha em nada a O Doutrinador, a não ser por sua mídia de origem. A produção de live-actions no Brasil pode vir a se tornar um fenômeno cada vez mais comum, não somente pelo momento favorável do mercado, mas também pela grande quantidade de HQs nacionais premiadas e reconhecidas internacionalmente. Um forte candidato a virar filme é o quadrinho “São Paulo dos mortos”, criado pelo roteirista Daniel Esteves com a participação de vários desenhistas, e que conta com 3 volumes, todos contando a história da capital paulista após um apocalipse zumbi, gênero que também se encontra em alta há anos tanto no cinema quanto na TV, com produções como a série americana “The Walking Dead” chegando em sua 9ª temporada, e o filme “Guerra Mundial Z”, protagonizado por Brad Pitt, tendo alcançado um enorme sucesso de bilheteria em 2013, e com sequência de estreia marcada para 2020.

 
 
 

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