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As desvantagens de ser invisível: cineastas enfrentam dificuldades em Uberlândia

  • Foto do escritor: UFUPIC
    UFUPIC
  • 28 de nov. de 2018
  • 10 min de leitura

Atualizado: 4 de dez. de 2018


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(Da esquerda para direita: Lucas Orsini, Carlos Segundo e Yuji Kodato)

Era quinta-feira, final de novembro, e o mundo foi sacudido pela notícia: será finalmente lançado o live-action do Rei Leão, filme que fez parte da infância de muitos. É claro que todo mundo já sabe que os filmes estrangeiros vão bem das pernas, é só parar alguns minutos para ler as últimas notícias: os filmes gringos, principalmente estadunidenses, dificilmente saem do imaginário coletivo do brasileiro quando o assunto é cinema. Mas muitos desconhecem, nunca ouviram falar ou torcem o nariz quando o holofote está nos filmes brasileiros.


Se os filmes nacionais já são desconhecidos pelo público geral, a visibilidade diminui ainda mais quando a pauta é filme independente. Olhando para dados estatísticos, o cinema independente está minimamente presente nas salas de cinema. Segundo dados do OCA (Observatório Brasileiro do Cinema e do Audiovisual), dentre os 20 títulos brasileiros de maior bilheteria exibidos em 2017, apenas dois deles são independentes - “Como Nossos Pais” e “O Filme Da Minha Vida”.


Mesmo assim, esses dois filmes nacionais de maior bilheteria foram assistidos por um público mínimo comparando aos números totais de salas de cinema. De todas as mais de 3 mil salas de exibição, segundo o OCA, “Como Nossos Pais” foi exibido em 124 salas e “O Filme Da Minha Vida” em 262. A realidade é que, dentre todas as complicações e entrepostos que os produtores de cinema nacional têm que passar, não conseguir exibir seus filmes nas salas de cinema brasileiras e disputar com os títulos de distribuidoras americanas bilionárias é apenas mais um obstáculo para se fazer cinema no país.


Não é novidade que as produções norte-americanas dominam as telas do cinema brasileiro. Também segundo dados da OCA, Em 2016, dos 10 filmes mais assistidos, apenas um é brasileiro — Os Dez Mandamentos, filme que gerou muita polêmica em torno de sua exibição, já que muitas salas de cinema ficaram vazias. Assim, o domínio das grandes distribuidoras de cinema e os blockbusters americanos esmagam grandes contingentes da população, principalmente devido ao pouco espaço de exposição que esses recebem, à pouca verba que lhes é repassada e à divulgação não suficiente.


Em Uberlândia, nem os filmes brasileiros de grandes produtoras chegam ao cinema - muito menos os independentes. Os únicos complexos de cinema comercial registrados na cidade são as empresas Cinépolis e Cinemark - que são também as maiores redes de cinema do mundo, e exibem em sua maioria títulos de grandes distribuidoras. Segundo Yuji Kodato, fotógrafo e produtor de filmes uberlandense, os filmes independentes ficam restritos a um público fechado. Sem as salas de cinema, não sobram muitos lugares para exibir esses produtos audiovisuais. Sobre isso, Kodato afirma: “Temos pouquíssimos espaços de circulação e fruição. Não temos cinemas voltados para filmes não-comerciais e a falta de espaços estruturados para tal limita em muito as trocas artísticas - fora das mesas de bar, dos meios virtuais ou dos corredores da universidade”.


Dentro da cidade, o acesso ao cinema nacional é restrito, e o cinema nacional independente é muitas vezes desconhecidos - muitos custam a saber do que ele se trata. Na cidade, o contato do público é em sua grande maioria com as salas de cinema no shopping, que exibem em sua maioria títulos estrangeiros ou em casa, do conforto do sofá, em plataformas como a Netflix, provedora de filmes global e estadunidense.


Pedro Nunes, de 18 anos, faz cursinho pré-vestibular e nasceu e morou em Uberlândia a vida toda. Ele conta que nunca viu um filme brasileiro independente, só leu sobre eles na internet ou assistiu reportagens que abordassem o assunto. O jovem ainda diz acreditar que a divulgação desses filmes é insuficiente quando eles não são fruto de uma grande produtora ou não têm altos orçamentos disponíveis. Para ele, “Eles [os filmes independentes] não tem importância para a sociedade, que não dá o devido valor, por não achar que têm qualidade ou conteúdo. Por parte do governo e das empresas, existe pouco interesse em divulgações. Fico sabendo sobre produções artísticas por meio de familiares que trabalham na área - principalmente com teatro - e por meio das redes sociais. Dentro do circuito uberlandense, conheço poucos movimentos, só sei que existem, mas não conheço nenhum profundamente”.


A exibição dos títulos nacionais nas principais salas de cinema é só mais um obstáculo para quem quer produzir filmes brasileiros. Para fazer um filme no Brasil, é preciso de financiamento – que pode chegar por leis de incentivo à cultura – e de uma distribuidora de filmes. Para vender esses filmes é preciso divulgação, propaganda e participação em grandes festivais. Carlos Segundo, que além de docente do departamento de Comunicação da UFRN, é diretor e roteirista, já passou pelos entraves e obstáculos da produção cinematográfica brasileira. Sobre a produção de seu primeiro filme, um documentário de 2012, intitulado “No Fundo Nem Tudo É Memória” e gravado em Uberlândia e Nova Ponte, o produtor audiovisual conta: “Esse documentário trata da memória da cidade, envolve a questão memorialista da vida [...]. Juntei com meus amigos Roberto Chacur e Marcelo - e basicamente nós três realizamos o doc longa-metragem. A idéia era fazer um filme sem grana, mas com uma dimensão poética, sensitiva e imagética com uma potência formal. Quase todos meus filmes, pelo menos a grande maioria, foram feitos sem recursos públicos, com parcerias e amizade”.


A relação Estado-cinema sempre foi muito conturbada. Com a criação da Embrafilmes, houve maior produção e distribuição de filmes brasileiros. Mas, assim que a empresa se extinguiu, o cinema nacional volta a ficar a míngua, até a criação das Leis de Incentivo e a Ancine. Para Carlos Segundo, que já está na área do audiovisual a mais de 10 anos, suas experiências perpassam essas mudanças nos financiamentos públicos do cinema. Ele afirma que houve um crescimento considerável de editais e financiamentos desde 2012, quando ele começou a gravar seus filmes. “Fiz parte dessa transição [dos processos de lei municipal e do fundo de incentivo para o audiovisual e o cinema] pressionando o poder público, para que tivessem cotas nos editais e pudéssemos ter uma possibilidade mínima de produção. Pouco a pouco fomos conseguindo ganhar espaço e aumentar o valor do incentivo disponibilizado para a produção local. Acho que o dinheiro voltado à cultura sempre vai ser insuficiente, tem muita gente querendo produzir, querendo fazer algum projeto”.


Em relação à divulgação das suas produções, o diretor e roteirista discorda do papel das leis de incentivo nessa área - para ele, é papel dos próprios artistas, em suas palavras, “encontrar caminhos e mecanismos para fazer as obras circularem e serem vistas”. O diretor e roteirista conta que sempre divulgou suas obras de forma independente. Ele ainda diz que não tinha financiamento, mas mesmo assim conhecia quem tinha poder aquisitivo e carecia de profissionais de assessoria que cuidassem de algo tão específico como, por exemplo, a divulgação de curtas-metragens.


Em entrevista, Segundo conta sobre os processos de divulgação de suas produções: “Acabou que aprendi como divulgar ao longo do caminho, fazendo contato, conhecendo pessoas, indo a festivais - não é algo que se constrói em dois dias. Estou a quase 12 anos envolvido com audiovisual, com cinema. E tudo que vivenciei, desde a produção dos curtas, da participação de festivais, de oficinas, tudo isso criou um corpo de distribuição”.


Apesar dos entraves que tange a produção dos filmes nacionais no Brasil, quando o assunto é a soma de cidades pequenas e produção independente, o resultado pode ser positivo. Carlos Segundo ainda comenta sobre sua preferência na hora de escolher a locação das filmagens em Uberlândia. Ele explica que, por ser uma cidade menor, isso facilitava a produção, deslocamento e disponibilidade da equipe. Segundo o diretor, quando ele compara filmar na capital São Paulo e na cidade mineira: “Ficou evidente o quanto é difícil de filmar em uma cidade grande, porque existe o tempo que os trabalhos demandam, principalmente para os meus trabalhos, que utilizei baixos orçamentos. Filmar em Uberlândia é mais fácil para a produção independente, que é dependente de parcerias e amizades e da disposição das pessoas - nas cidades menores o ritmo é diferente. Nunca tive problema nessa questão. Acho que, na realidade, a maior dificuldade da produção é ter verba disponível".

Quando questionado sobre a divulgação de seus filmes em Uberlândia, Carlos Segundo afirma: “Desde o primeiro curta que produzi, sempre visei, sempre pensei que ele tinha que ir para outras janelas, não só ser exibido em Uberlândia - que era inclusive a última janela que eu pensava. Sempre pensei fora dos limites da cidade”.

Os filmes independentes não chegam ao público, mas as vezes o público chega até eles. É o caso de Ana Carolina Oliveira, que já morou um período em Uberlândia, e conheceu muitos graduandos de Artes Visuais na universidade de federal da cidade, o que deu a ela oportunidade de conhecer diversos trabalhos e projetos que envolviam o cinema uberlandense. Ana diz acreditar que, mesmo sendo de muita qualidade, o trabalho de artistas locais não é valorizado. Ela ainda revela sua opinião sobre o assunto: “Eu acho que talvez isso seja uma síndrome do nosso povo, igual diz uma música do Sant: ‘dizer que tá bem na merda deve ser o jeito brasileiro que arrumaram pra bobo bater no peito’. É como se a gente precisasse ou tivesse sido ensinado em algum momento a desprezar tudo que vem de perto”.


Além disso, outro empecilho para a visibilidade do cinema independente é a restrição de festivais de cinema - que pedem que os filmes sejam exibidos primeiramente nos eventos antes de serem divulgados em outros veículos. Uma vez que um dos únicos e mais eficientes meios de divulgação desses filmes é por meio dos festivais, os artistas se vêem presos a essas formas de divulgação. Yuji Kodato conta sobre a divulgação de seus produtos audiovisuais: “Os curtas e o documentário tiveram uma divulgação bem restrita; tento participar de festivais que tem uma divulgação restrita, participar de ciclos de festivais e eles pedem ineditismo, ou seja, você não pode divulgar na internet. Faço uma exibição local, algo simples, como uma exibição num museu ou numa festa com amigos. Então, localmente, no geral, a exibição dos filmes é pontual. A exibição maior mesmo é nos festivais”


Mas nem todos os produtores audiovisuais querem entrar nos holofotes. Dentro do circuito da Universidade Federal de Uberlândia recentemente, o artista visual Lucas Orsini lançou seu primeiro curta independente, “Dor Invisível” em conjunto com outros três alunos na Universidade Federal de Uberlândia - Keynni Júnior, Rosy Ribeiro e Débora Borba. É um filme que toca em assuntos sensíveis: pressão na universidade e depressão. Orsini afirma que pensava em divulgar o filme apenas em circulação na faculdade: “O Dor Invisível, num primeiro momento, queria mostrar esse olhar para a própria universidade tendo apenas uma exibição em Uberlândia e dia 28 de novembro ocorrerá uma nova exibição no MUNA museu universitário. Devido ao tema ser de extrema importância diversas universidades do país como UFJV, e universidades do sul e centro-oeste também nos procuraram para que pudesse ser feita exibições juntamente com debate. Hoje o filme está na plataforma do YouTube para o acesso de todos.”


Orsini conta ainda sobre a produção e o financiamento do curta: “Acho que a maior dificuldade de qualquer produtor de audiovisual é o orçamento, no caso do Dor Invisível fomos contemplados com o edital PIAC da Dicult da Universidade Federal de Uberlândia, que nos possibilitou trabalhar um pouco mais tranquilos, porém, longe da realidade de grandes projetos financiados por grandes centros”


Uma breve história da relação Estado-cinema


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Inauguração do cinema Paratodos, no bairro do Méier, Zona Norte do Rio de Janeiro - 1935

No Brasil, o primeiro contato que se tem com o Cinema é em meados de 1896, quando se exibem os primeiros filmes no Rio de Janeiro, num aparelho chamado omniographo - uma ampliação do kinetoscópio, que era mais evoluído e conseguia gerar imagens para um público maior. Esse primeiro contato com a produção cinematográfica é aceito com facilidade, e não demora muito para que se realizem os primeiros filmes brasileiros.


O período entre 1908 e 1911 foi conhecido como a idade de ouro do cinema brasileiro, conhecida como “Bela Época”, referência à Belle Époque européia. Essa foi a época de maior fortalecimento do cinema nacional em relação aos anos posteriores, onde o filmes estrangeiros dominariam o país.


Em 1937, durante o governo Vargas foi criado por Roquete Pinto, o Instituto Nacional de Cinema Educativo (INCE), como auxiliar do ensino e meio de educação popular. O INCE serviu como escola para diretores, documentaristas, roteiristas, técnicos de som, além de gerar a integração do cinema educacional no país. No entanto, não beneficiou todo o setor cinematográfico brasileiro, por focar apenas nos setores educativo e cultural.


A união Estado-cinema começa efetivamente em setembro de 1969, com a criação da Embrafilmes, empresa de economia mista estatal brasileira produtora e distribuidora de filmes. A empresa foi criada com o decreto-lei Nº 862, sendo vinculado ao Ministério da Educação e Cultura e apoiadora do Instituto Nacional do Cinema (INC). A Embrafilmes foi responsável por fomentar a produção e distribuição de filmes brasileiros.

As ações da empresa facilitaram a produção de centenas de filmes nacionais, e conseguiram levar o Brasil a um boom no cinema nacional- foram mais de 200 títulos brasileiros produzidos na época que a empresa funcionou, de 1969 a 1990.


No entanto, a empresa sofreu fortes críticas no final dos anos 80 - a Embrafilmes era alvo de acusações de clientelismo, desperdício e má administração. Com essas críticas, o objetivo que persuadir a opinião pública, para convencer que cinema não deveria ser assunto do estado. Além disso, o contexto brasileiro não colaborava, e a empresa desmoronava diante ao cenário: queda do público diante a ascensão dos videocassetes, dolarização do processo cinematográfico, a crise do petróleo no Brasil e o cinema hollywoodiano que devorava qualquer público de outros filmes.


Por fim, a Embrafilmes fechou em 16 de março de 1990, não houve nenhuma estratégia ou discussão que pudesse posteriormente discutir um novo plano de ação que relacionasse leis de incentivo no audiovisual brasileiro. Assim, começa a derrocada do cinema nacional.

O cinema nacional volta a se reerguer com as leis de incentivo - como a Lei do Audiovisual e a Lei Federal de Incentivo à Cultura - conhecida Lei Rouanet. Além disso, a principal medida pública para reestruturar o cinema brasileiro foi a criação da Agência Nacional do Cinema (ANCINE), que hoje faz o papel de fomentar, regular e fiscalizar a indústria cinematográfica e videofonográfica nacional.


Cinema independente


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"O Filme Da Minha Vida", dirigido por Selton Mello (Foto: Divulgação)

Uma produção independente é equivalente a filmes que não se apoiam em grandes produtoras de cinema e estúdios de cinema. Os filmes geralmente têm um baixo orçamento e, portanto, são filmados com recursos técnicos e comerciais limitados. Como regra geral, os diretores são novatos, mas em alguns casos há diretores consagrados que dirigem filmes independentes para fugir do cinema comercial.


Geralmente as histórias contadas abordam temas pouco aceitos nas bilheterias, no sentido que preferem histórias com um tom mais social, reivindicativo e transgressor. Esse estilo cinematográfico é intimista, vanguardista e rupturista.


Em relação a sua difusão, o cinema independente é conhecido normalmente através de festivais também autodenominados como independentes.

 
 
 

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