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A ressignificação das animações nacionais

  • Foto do escritor: UFUPIC
    UFUPIC
  • 29 de nov. de 2018
  • 6 min de leitura

29/11/2018

Por - Anna Júlia Lopes


Que as animações são os gêneros preferidos da criançada não é novidade para ninguém, mas a forma como elas podem atuar no psicológico do público infantil através da representatividade da sua cultura e da sua fisionomia é algo que antes não tinha muito espaço no mercado audiovisual, mas que vem conquistando cada vez mais metragens e adeptos com suas virtudes e criatividade, tendo um futuro internacional próspero.


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Indicado ao Óscar de melhor animação, “O menino e o mundo”, dirigido por Alê Abreu, é um longa-metragem lúdico que trabalha com cores vibrantes e elementos brasileiros, também traz a temática de alguns problemas na Terra, como a pobreza, a exploração e a falta de valores, fazendo uma crítica ao capitalismo.

A criatividade característica das crianças também é influenciada. Filmes e séries animadas contém um tom lúdico que facilita no aprendizado e desenvolvimento das mesmas, encontrando-se em uma atmosfera entre o abstrato e o concreto. As cores vibrantes, movimentos rápidos e a musicalidade estimulam a imaginação e a curiosidade. De acordo com a psicóloga Mirian Silva Santos, formada na Universidade Federal de Uberlândia (UFU), as obras cinematográficas também auxiliam as crianças a prender sua atenção, justamente por ser algo divertido e que ajuda a desenvolver o intelecto e a capacidade de abstração. Os elementos fantasiosos dentro do universo animado são acessíveis para as crianças, já que a fantasia é um aspecto presente nas etapas do desenvolvimento infantil, e isso faz com que a criança identifique suas emoções.


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Historietas Assombradas (para Crianças Malcriadas) é uma animação do Cartoon Network feita pelo diretor Victor-Hugo Borges; Acontece em um ambiente onírico e lúdico que o público infantil adora, recriando algumas situações vividas no privado.

Com a globalização e a corrida tecnológica da Guerra Fria no século passado, a tecnologia se tornou cada vez mais presente na vida cotidiana: quase todas as pessoas têm televisão em suas casas. E assim como antigamente os pais liam fábulas e contos de fada, que continham uma moral e ensinavam valores e virtudes de forma didática, educativa e sútil, hoje as crianças aprendem quase que de forma autodidata diante da televisão, do celular, dos tablets e dos computadores com animações e jogos. Tratar questões humanas e morais é algo recorrente presente nos filmes de hoje, e são temas fundamentais para o crescimento, amadurecimento e convivência em sociedade. Além do mais, segundo Mirian, a mente dos pequenos ainda é bastante lúdica e ainda está em etapa de desenvolvimento, então há algumas informações, que se forem explicadas de forma falada, a criança não vai entender, como morte, nascimento, o porquê de comer frutas e noções de família, e os filmes podem ajudá-la a compreender, a chegar em determinadas conclusões, entender o seu mundo interior, com bases em situações semelhantes à que ela está vivenciando. Como disse a diretora da Associação Brasileira de Cinema de Animação, Letícia Friedrich, séries infantis não trazem apenas uma “historinha”, mas também ensinamentos que complementam o que aprendem na escola e com a família, tudo através de uma aura simbólica, que não conseguiria ser repassado por atuações, é um recurso de linguagem para tratar de certos assuntos.


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O desenho “Meu Amigãozão”, do canal Discovery Kids, discorre sobre o valor da amizade e tópicos como o egoísmo.

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O fenômeno “Galinha Pintadinha” pega elementos clássicos da cultura brasileira como a cantiga “Atirei o pau no gato” e os transforma em politicamente corretos: “Não atire o pau no gato [...] Não devemos maltratar os animais, jamais!”

Apesar da grande quantidade de animações estrangeiras de grandes empresas, como Walt Disney, Pixar e Studio Ghibli, que embora ajude os brasileiros a ver e aceitar o diferente e uma diversidade que não estão acostumados a viver, as nacionais podem se tornar mais interessantes para o contexto em que está inserido a população brasileira. Para Mirian, a vantagem de uma animação brasileira é porque culturalmente é mais próxima da realidade e considera uma mensagem subliminar de cultura ideal, que é diferente da nossa, quando um Natal é representado com neve e com um Papai Noel de roupas quentes, e isso prejudica a autoestima dos indivíduos como brasileiros desde a infância. O déficit de identificação com a sua própria cultura é um fato recorrente no Brasil e se dá pela número e exaltação de filmes animados vindos de fora, sendo eles principalmente estadunidenses. A importância das animações nacionais é a criança se perceber, ver o que está próximo a ela e ver a sua cultura, conhecendo cada vez mais sobre suas características, sejam elas comportamentais ou genéticas. E a representatividade não está presente apenas na identificação de sua “brasilidade”, mas também em crianças que muitas vezes são marginalizadas por conta de suas capacidades e aparência. Porém, conforme Mirian, apenas retratar personagens com que mais brasileiros se identificariam, como com pele negra e cabelos cacheados ou crespos, não é suficiente. A família tem que auxiliar e as metragens precisam trazer uma mensagem de valorização nacional, ajudando a criançada a ressignificar crenças e pensamentos.


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A animação “Irmão do Jorel”, que passa no Cartoon Network, de Juliano Enrico têm personagens negras e de cabelos enrolados; também aborda de maneira cômica a história de um menino que vive na sombra do irmão e critica, de maneira sútil, a ditadura.

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O “Clube da Anittinha”, criado pela cantora de funk, Anitta, também traz diversas representações negras, e isso é muito importante para uma criança que pode vir a sofrer preconceito devido à sociedade racista em que se encontra.

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“As aventuras do avião vermelho” conta sobre a vida de Fernandinho, um menino solitário que tem dificuldade de adaptação na escola.

Apesar dos inúmeros benefícios de uma maior produção do audiovisual animado em nível nacional, o mercado e os investimentos ainda são pequenos, devido à “hipervalorização” das metragens estrangeiras e à falta de investimento dos grandes estúdios, que se contentam com uma padronização que, por mais que seja segura, valoriza estereótipos, valorizando pouco a diversidade cultural e as possibilidades criativas em torno da animação, que poderia ser melhor explorada nas produções, como disse o ilustrador, diretor e animador Alexandre Dubiela. E Alexandre e Letícia Friedrich ressaltam: direcionar esse tipo de metragem apenas para um público infantil e uniformiza-la em um estilo são quesitos negativos, por ter pouco apelo para o público adulto, que as vêem como meros mecanismo de distração para as crianças, sem outro valor intelectual, e que é preciso tentar descaracterizar a animação como um simples desenho animado, pois não necessariamente um determinado estilo é o mais apropriado para determinado público, tudo depende da sensibilidade artística envolvida na produção do filme, o contexto criado e o objetivo para com o público. E apesar da necessidade social de haver denúncias ou críticas em quase todas as obras de arte, esse não é um recurso muito explorado nas produções brasileiras, pois geralmente ocorre apenas em filmes de cunho autoral, que não são tão valorizados em comparação aos das grandes produtoras. A animação tem um enorme potencial de apelo ao público e é uma opção valiosa de comunicação para as massas, comunicação essa que é interligada ao controle dos indivíduos de acordo com a Teoria Comunicacional Cibernética, e existem muitas que conseguem, com sucesso, atingir e conscientizar a sociedade, contribuindo bastante para ela. No entanto, de acordo com Dubiela, o grande trabalho envolvido para se produzir uma obra animada, por mais simples que seja, é limitador em agilidade, impedindo criar um programa de produção interna para a elaboração de uma produção crítica nesse sentido, se esforçando para alocar os escassos recursos necessários – financeiros e de equipe. E apesar desse potencial já citado de denunciar alguma mazela social discretamente, às vezes, um filme é só uma história sendo contada, e não há problema nenhum nisso, torna-se um “inutensílio”, expressão utilizada pelo autor e poeta Paulo Leminsky para designar as coisas da vida que não tem um sentido definido.


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“Ideias Animadas”, de Alexandre Dubiela.

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Metragem “Bomtempo”, também de Dubiela, que marcou presença no festival português de animações “Bang Awards”, em Torres Vedras.

Apesar da pouca valorização de obras animadas brasileiras em um contexto nacional, elas repercutem bem em um âmbito internacional. Letícia afirma que hoje competimos com norte-americanos, franceses e até japoneses. E segundo Alexandre: O Brasil tem ganhado bastante destaque no cenário internacional em função do excelente nível técnico e de criatividade das produções que estão sendo desenvolvidas nos estúdios pelo país. Homenagens como as dos festivais como o Bang Awards e o Annecy são um importante reconhecimento que mostra a relevância da nossa produção pelo mundo. Eu quero acreditar em uma perspectiva de crescimento contínua para a animação brasileira pois o nosso mercado ainda tem muita capacidade para ser explorada e muito o que amadurecer. E isso só vai acontecer com um maior investimento tanto da esfera pública quanto de empresas privadas, que terão um grande retorno que esse mercado pode trazer. Mesmo com as condições de produção que hoje são limitadas as produções nacionais são muito criativas, e isso reflete em um outro tipo de qualidade que se destaca entre as produções internacionais. Estamos vivendo um momento político e econômico muito conturbado e, em momento de eleição, tem candidato com anti-projeto cultural muito perigoso, que pode colocar em risco os investimentos feitos pelos governos anteriores por meio do Ministério da Cultura e das políticas de incentivo. Sem a devida regulação e incentivo da esfera pública podemos ter um impacto negativo muito grande no mercado de animação nacional, com precarização das produções que já sofrem dificuldades, impactando na projeção dos nossos trabalhos no cenário internacional.


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“Uma aventura no tempo”, longa-metragem da Turma da Mônica, criada por Maurício de Souza, a turminha é um marco na infância do povo brasileiro.

Por tanto, apesar da dificuldade de produção de animações nacionais, elas valem a pena ser feitas e assistidas, pois influenciam positivamente o intelecto das crianças e dos adultos, propõem mudanças de comportamento e valores que passam imperceptíveis a olhos desatentos. O lúdico presente, a moral por trás da trama e a representatividade e exaltação nacional são elementos positivos para a construção de um cidadão que seja sensível à arte e às pessoas ao seu redor, facilitando o seu modo de conviver em sociedade. As animações fazem parte da infância de muitos, além de ter ajudado a construir parte do seu caráter e de sua constituição moral, em conjunto com a família e a escola, que devem fazer uso do audiovisual para benefício das crianças e dos futuros adultos, pois: “Todas as pessoas grandes foram um dia crianças - mas poucas se lembram disso.” - Sant Exupery


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Este não é só um texto sobre desenhos animados, é um manifesto em favor da criatividade e da animação. Um viva ao cinema de animação brasileiro.

 
 
 

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