A história do cinema nacional: As Pornochanchadas da década de 70
- UFUPIC
- 22 de nov. de 2018
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Por: Felipe Melo
22/11/2018 | 15:50

O cinema deu as caras no Brasil pela primeira vez no final do século XIX, sendo que a primeira exibição nacional se deu no Rio de Janeiro em 1896, pelo itinerante belga Henri Paillie, em uma sala alugada do Jornal do Comércio. Os ingressos eram caros, e isso fez com que os 8 curtas de pouco mais de um minuto exibidos na ocasião fossem apreciados apenas pela elite local. Pouco mais de um ano depois já existia no Rio a primeira sala de cinema brasileira, o Salão de Novidades Paris, do italiano Paschoal Segretto.
As primeiras produções nacionais datam dessa mesma época, sendo que o primeiro filme de que se tem registro é o curta “Uma vista da baia de Guanabara”, filmado por Affonso Segretto, irmão de Paschoal. “Em seu começo, as produções nacionais retratavam em sua maioria cenas do cotidiano das cidades brasileiras, em especial do Rio de Janeiro, como nos vídeos “Um artista trabalhando no trapézio do Politeama” (1897), e “Chegada do trem em Petrópolis” (1897).

A partir da década de 1910 o cinema brasileiro abriu suas portas para vários atores e diretores estrangeiros, vindos principalmente da Itália, e a era das adaptações de romance para as telonas teve seu início. Em 1926 seria rodado o primeiro filme brasileiro de sucesso internacional, intitulado “O Guarani”, segunda adaptação cinematográfica baseada na obra de José de Alencar, e dirigida Vittorio Capellaro.
A partir da década de 30 se iniciou o que viria a ser conhecido como o “reinado de Hollywood” sobre o cinema brasileiro. As distribuidoras americanas passaram a investir em publicidade e aparelhagem de som nas salas de cinema brasileiras, vendendo seus filmes para o público daqui. Com essa incisão da indústria hollywoodiana no universo do audiovisual brasileiro, novos padrões de estética passaram a ser considerados como o padrão único aceitado para os filmes nacionais, já que as produções americanas eram consideradas superiores nos quesitos de estética, fluidez, e ritmo.
No fim da década de 40, empresários e banqueiros viram no cinema nacional uma oportunidade de lucro, e passaram a investir para a criação de uma indústria nacional de produtoras e distribuidoras que conseguissem, utilizando as técnicas americanas, fazer filmes sobre as temáticas recorrentes no imaginário e na cultura brasileira da época. Assim nasceram as Chanchadas, comédias musicais de fácil compreensão, que seguiam sempre uma fórmula descontraída com os clássicos personagens da mocinha, vilão, e do galã. Os atores também se mantinham quase sempre inalterados, sendo que nomes como Oscarito, Grande Otelo, Ankito, e Mesquitinha eram figurinhas carimbadas na maioria dessas produções.

Na década de 70 ocorreu uma mudança drástica na dramaturgia brasileira com o surgimento das Pornochanchadas, que quebravam com as tradições conservadoras do cinema até então, e traziam filmes com enredos baseados em temas sexuais, misturados com a clássica comédia das Chanchadas que os precederam. O gênero se tornou muito famoso, tomando contada maioria das produções nacionais das décadas de 70 e 80.
Os filmes eram gravados em sua maioria em uma região chamada de “Boca do Lixo”, no centro da cidade de São Paulo, conhecida por abrigar um polo cinematográfico desde a década de 60, e que foi responsável pelo surgimento e ascensão à fama de diversos artistas como Vera Fischer, Helena Ramos, Sandra Bréa, Vanessa Alves, Patrícia Scalvi, Nicole Puzzi e Zilda Mayo. Entre os diretores, destacam-se também Ody Fraga, Ozualdo Candeias, Tony Vieira e José Mojica Marins (o Zé do Caixão). Como conta Eugênio Puppo, do Portal Brasileiro de Cinema, “No reduto da Boca do Lixo a regra era produzir a toque de caixa. Filmes de cangaço, de terror, de sexo explícito, policiais, experimentais, dramas e pornochanchadas fizeram uma ponte direta com um público popular que, não por acaso, lotava as salas em busca de entretenimento”.

O gênero foi muito influenciado pelas clássicas comédias italianas, pela comédia popular carioca, e pelas produções eróticas paulistas do final da década de 60. Os temas tratados nos filmes geralmente tinham a ver com situações sexuais como a virgindade, e o adultério. A figura feminina estava presente na maioria dos filmes de maneira caricata e sexualizada. Durante a era das Pornochanchadas surgiram algumas das maiores bilheterias do cinema nacional, em especial “A Dama da Lotação”, que levou ao cinema mais de 6.5 milhões de espectadores em 1978, e contava com a atriz Sonia Braga no papel principal.
Como tiveram lugar no auge da ditadura militar, muitas produções do gênero sofreram cortes e censuras dos agentes federais. Grupos conservadores também organizavam protestos contra a exibição de filmes com tal identidade erótica nos cinemas, por considerarem tais produções de cunho vulgar, grosseiro e apelativo. De acordo com Lucas Maia, do canal “Refúgio Cult”, “As primeiras pornochanchadas começaram mais leves, apenas mesclando um certo erotismo com alguns elementos de comédia, mas já na década de 80 elas ficaram pesadas, mostrando tudo sem o menor pudor”.

Apesar de todos os empecilhos, os filmes do gênero se aproveitaram de tamanha propaganda negativa e acabaram conquistando um grupo ainda maior de espectadores, que eram atraídos pela sensação de proibição que os títulos carregavam, como conta Regis Costa (49), que presenciou o período e frequentava o cinema na época, “Os jovens ficavam loucos pra assistir esses filmes, tinha muito adulto também, mas a maioria era moleque de 20 anos pra baixo, até alguns menores de idade tentavam, e muitas vezes conseguiam, entrar no cinema pra assistir, e todo mundo achava aquilo demais”.
Mesmo sendo considerados por muitos como simples forma de entretenimento, as pornochanchadas também carregavam traços importantes que caracterizam a sociedade brasileira no período em que foram produzidas. Situações comuns da época da ditadura militar estão presentes de maneira sutil nos filmes do gênero, como o milagre econômico, observado nos filmes de Carlos Mossy e Aníbal Massaini Neto, as torturas que ocorreram em porões e prisões, fato evidenciado em filmes como “Escola Penal de Meninas Depravadas”, e o começo da emancipação feminina em “As Aventuras Amorosas de um Padeiro”, ao tratar de temas como aborto, divórcio, e racismo.
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